Se você atua no ramo da construção civil, provavelmente está familiarizado com a incorporação imobiliária e as diversas questões nela envolvidas.
A análise de risco do terreno e dos vendedores (due diligence), as possibilidades de negócio jurídico capazes de operacionalizar a aquisição do terreno, a escolha pelo modelo societário e a análise tributária, por exemplo, são algumas das peculiaridades que a construtora e o incorporador deverão se atentar.
Em alguns casos, a escolha ou análise equivocada do modelo de negócio pode inviabilizar financeiramente o empreendimento. Portanto, cautela e uma assessoria de qualidade são fundamentais nesse processo.
Neste artigo, pretenderemos trazer informações práticas sobre os cuidados preliminares do incorporador, como também as principais alterações trazidas pela Lei e seus impactos nas incorporações.
Antes disso, é preciso nivelar alguns conceitos sobre o tema.
A atividade de incorporação imobiliária é regida pela Lei Federal 4.591/64, que estabelece as regras às quais se sujeitarão os envolvidos, tais como registro, o procedimento, documentos necessários, regras contratuais na relação entre incorporador e adquirentes, entre outras. Referida Lei, como amplamente noticiado, foi recém alterada pela MP 1.085, de 2021, que foi convolada na Lei 14.382/22, com alguns vetos.
Incorporar, como a própria palavra indica, significa tomar corpo, inserir construir algo em algum lugar. É por meio do registro da incorporação imobiliária que nasce ao incorporador o direito de vender, antes ou durante as obras do empreendimento, o imóvel que se pretende construir. Sem o registro da incorporação, a venda de unidades autônomas somente poderia ser realizada após a averbação da conclusão das obras.
Logo, tem-se que o processo de incorporação é fundamental, especialmente para que se possa, com a alienação das unidades antecipadamente, alavancar os recursos financeiros necessários para a construção do empreendimento. Do contrário, terá o construtor que se valer exclusivamente de recursos próprios ou de financiamento bancário, o que pode elevar os custos de transação do empreendimento.
Como mencionado, a Lei 4.591/1964 é aquela que traz as normas da incorporação imobiliária no Brasil, mais especificamente a partir do seu Título II, estabelecendo regras, por exemplo, acerca do patrimônio de afetação, direitos e obrigações do incorporador, documentos necessários ao registro do empreendimento em cartório, dentre outros assuntos.
Nela, também, há a distinção entre construtora e incorporadora, sendo a primeira a empresa ou pessoa física que, de fato, irá erguer os imóveis, e a segunda, aquela empresa ou indivíduo que irá vender as unidades autônomas, frações ideais do terreno, ao mercado, gerenciando prazos e coordenando a incorporação de maneira geral, relembrando-se o conceito exposto acima.
Em outros termos, pode-se dizer que a incorporadora é a proprietária do projeto do empreendimento e a sua gestora, sendo, dessa forma, quem se responsabiliza frente aos adquirentes dos imóveis pela entrega dos bens, prazos, eventuais problemas construtivos e estruturais, dentre outros, e a construtora é quem irá edificar em favor da incorporadora.
Preparando para a incorporação:
Como mencionado, um projeto de incorporação pode demandar um grande lapso temporal para a sua conclusão e tende a demandar grande alavancagem inicial. Logo, é fundamental que se planeje e se estruture a operação corretamente, levando-se em conta os aspectos jurídicos, contábeis e financeiros.
A due diligence imobiliária é uma das primeiras medidas preparatórias que precisam ser realizadas pela incorporadora como forma de se antecipar quaisquer eventuais problemas jurídicos. Para tanto, é recomendável a contratação de uma assessoria jurídica especializada no tema.
Este procedimento consiste, em suma, na análise documental do terreno e de seus proprietários, mediante a obtenção de certidões negativas tributárias, investigação sobre possíveis dívidas, análise da matrícula do terreno, para verificação de possíveis irregularidades, busca e análise de eventuais processos judiciais que envolvam o bem e seu alienante, por exemplo.
É nessa fase que analisa o risco da aquisição do terreno, aferindo a regularidade do terreno, a existência de passivos e gravames em relação ao bem e aos seus proprietários, assim como são verificados eventuais entraves legais que possam dificultar o registro da incorporação, ou trazer outras dificuldades à incorporadora.
Feito esse exame preliminar, estando tudo certo, passa-se à negociação para a aquisição do terreno, que usualmente é instrumentalizada pela incorporadora por meio de contratos de compra e venda, de cessão de direitos, ou de permuta simples ou permuta com torna.
A elaboração da minuta contratual para aquisição do terreno junto ao seu proprietário original é também uma etapa muito importante, devendo o instrumento refletir todos os detalhes da negociação, para que não haja qualquer desentendimento ou equívoco interpretativo no futuro.
Não se pode deixar de mencionar que, como a aquisição do terreno pela incorporadora possui a finalidade da construção do empreendimento imobiliário e este depende de uma série de estudos de viabilidade para sua execução (aprovação do projeto arquitetônico junto a prefeitura, estudos ambientais e due diligence jurídica), é importante que o instrumento a ser assinado contenha condições claras e que protejam a incorporadora caso após tais estudos se conclua pela inviabilidade do projeto.
Eventualmente e a depender a complexidade do empreendimento a ser construído, a elaboração de um MOU (memorando de entendimento) previamente e em preparação do contrato definitivo, possa dar segurança às Partes.
Registro da incorporação
Concluída a fase negocial e realizados todos os atos administrativos junto aos órgãos competentes, tais como a aprovação do projeto, a obtenção de licenças e alvarás, é o momento de dar início no registro da incorporação.
Vale alertar que toda incorporação imobiliária deve ser registrada, e tal procedimento deve ser feito junto ao cartório de registro de imóveis competente e à margem da matrícula do terreno sobre o qual o empreendimento será erguido.
O registro da incorporação imobiliária em cartório é feito a partir da elaboração do chamado memorial de incorporação, que reúne os detalhes do projeto arquitetônico do empreendimento, suas unidades individuais e coletivas, e os instrumentos celebrados entre o proprietário e a incorporadora (contratos), dentre outras informações básicas.
Em relação à lista dos documentos necessários ao registro da incorporação prevista no art. 32 da Lei 4.591/64, a Lei 14.382/22 trouxe importante alteração representada pela dispensa, no rol dos documentos necessários para o registro da incorporação, da apresentação do atestado de idoneidade financeira pelo incorporador.
De fato, a alteração se fazia necessária, especialmente por se tratar de obrigação com pouco efeito prático. Explica-se: em geral, as incorporadoras realizam a incorporação por meio de sociedade de propósito específico (SPE). Ou seja, trata-se de sociedade nova e constituída para aquele fim, de modo que muitas vezes a incorporadora sequer tem conta aberta, quando do registro da incorporação. Por outro lado, o banco emitente de tal declaração não poderia ser responsabilizado por eventual prática financeira indevida da empresa.
Logo, a mudança é vista como uma forma de desburocratização dos documentos necessários ao registro, assim como a alteração trazida pelo §º 14, no mesmo art. 32 da Lei, que autoriza a substituição das certidões de objeto e pé de processos judiciais pela apresentação das cópias dos andamentos digitais daqueles processos.
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Ainda no campo das alterações, outra novidade interessante é a inserção do §º 15 ao art. 32, cuja redação determinou que o registro da incorporação e a futura instituição de condomínio, quando pronta a obra, constituam ato registral único. Tal inovação representa economia considerável nas despesas do empreendimento, já que, com isso, não poderão ser cobradas custas dobradas para a instituição condominial.
Concretização da incorporação
A redação original da Lei não trazia com clareza ou consenso o que viria a ser a "concretização da incorporação".
De acordo com a nova redação dada ao art. 33 da Lei, considerar-se-á concretizada a incorporação pela formalização da alienação ou da oneração de alguma unidade futura, pela contratação de financiamento para a construção ou pelo início das obras do empreendimento.
Portanto, não ocorrendo nenhum dos atos supramencionados, considera-se, para os efeitos da Lei, que a incorporação não efetivou.
Se nenhum dos fatos ocorrer no prazo de 180 dias do registro da incorporação, caberá ao incorporador renová-lo mediante a averbação das certidões atualizadas e de eventuais documentos referidos no art. 32 que estejam com prazo de validade vencido. Do contrário, o incorporador não poderá negociar as unidades.
Nota-se, neste ponto, que além de acabar com a dúvida sobre o que caracteriza a concretização da incorporação, a nova redação dada ao art. 33 da Lei dilatou o prazo que antes era de 120 dias, para 180 dias. Tal fato dá à incorporadora mais 60 dias a mais para a prática de ao menos um dos atos necessários à concretização da incorporação.
Extinção automática do patrimônio de afetação
Outra novidade legislativa trazida à Lei é a extinção automática do patrimônio de afetação em relação às unidades não negociadas até a conclusão das obras.
Vale salientar, neste ponto, que mesmo extinto o patrimônio de afetação para as unidades não vendidas, a tributação pelo RET-Regime Especial de Tributação não será afetada, já que o artigo 11-A da Lei 10.931/04 garante que a tributação especial se aplica a todas as unidades que compõe a incorporação independente da data da venda.
Conclusão
Como se pôde perceber, incorporações imobiliárias são empreendimentos por vezes complexos, que envolvem diversas fases, entre estudos e análises preliminares, elaboração de contratos, definição do modelo societário, atendimentos às normas legais e dos órgãos ambientais e municipais, até a execução do projeto, com a entrega das chaves.
Pretendeu este artigo apontar as principais etapas de uma incorporação, os pontos de maior atenção e cuidado na condução de empreendimentos dessa natureza, seguidos das mais relevantes alterações trazidas pela Lei 14.382/22, para que a incorporação possa ser economicamente viável e vantajosa ao incorporador e demais partes envolvidas, especialmente evitando entraves nas negociações com proprietários, compradores, registro em cartório e atrasos, tanto na entrega das unidades, quanto na execução das obras e cumprimento de prazos intermediários.
Não se pode deixar de mencionar que o sucesso de uma incorporação depende de um bom planejamento e manejo dos instrumentos a ela inerentes. Para tanto, o incorporador não deve lançar mão de uma assessoria jurídica, contábil e financeira qualificada.
Nosso escritório está preparado e à disposição para auxiliar seus clientes em seus empreendimentos.